Postagens

Mostrando postagens de junho, 2015

SACRO OFÍCIO

Tão calmo esse azul que observa o entorno e tranquilo traz pra dentro aquilo que beneficia o centro o esquerdo canto, a alma e as fibras Tão calmo que o corpo inteiro vibra em ondas de energia limpa e pura - doadas com cuidado e com ternura, aumenta ainda mais sua reserva - Tão calmo esse azul - fácil parece manter a cor do céu quando ele desce e descolore o quadro a meio palmo Mas, fácil, só parece - sacro ofício,  penso - requer silêncio e exercício e por pensá-lo, calo e me acalmo SACRO OFÍCIO - Lena Ferreira - 

ALFAZEMADA

Foi de silêncios que compus em parceria  a canção de reestreia desse instante entre a inquietude quase morna da espera e a mansidão alfazemada do encontro segundos foram longos como eras - braços querentes de abraços; batutas regentes de momentos - na demora íntima, as notas se afinizam tocando cada canto, conhecido e estranho e como quem adivinha saudades e delírios inauguram cicios estreitos, longos e macios no curto espaço entre os lábios e o juízo ALFAZEMADA - Lena Ferreira - jun.15

PARA ARIADNE

Num labirinto estreito, letras seguem decididas na busca por uma palavra de estreia. Desafiando mitos, dialoga com os fantasmas nas lacunas pontilhadas rimando os ramos de rumores ralos com os rumos rasos das alucinações lunares. Enquanto um silêncio gentil e sincero solicita um fiapo que seja do novelo de fazer sentido, essas letras estendem as suas mãos, vazias de fio e de medo, e os dedos, cheios de teimosia. Que tateiam as estantes voláteis. Com as retinas embriagadas pelos ácaros imersos nos goles do extinto vinho, insistem nessa sina estranha. Trôpegas, esbarram em becos, bocas, bicos e quinas. Derrubam os olhos em alguns livros, grossas laudas seculares e, vestindo suas capas, retas, rotas e mofadas, incorporam feiticeiros, mestres, magos, adivinhos. Ressuscitam umas palavras mortas, retiram-lhes o ranço e o cansaço e, vicejando-as nas entrelinhas, essas letras todas zonzas, todas tontas, todas tortas, quase, quase encontram a porta... Mas, para Ariadne, mil esforços

MAIS ÍNTIMOS

Travessa, uma gotinha de chuva atravessa o telhado da varanda e, esticando-se todinha no trajeto entre o teto e o livreto de poemas, cai serena sobre uns tímidos versos e macula a folha, página de outono Desviando a atenção dos supérfluos dedos sem sono sobrepõem-se à mácula descobrindo o quê que ia encoberto entre os anseios mais fúteis, vários entre as linhas entremeadas em flor Olhos, mais nítidos, bebericam o necessário  Dedos, mais íntimos, seguem o seu itinerário MAIS ÍNTIMOS - Lena Ferreira - 

NO ESPELHO

Acho graça quando a imagem se alinha e aninha as vestes de um vento suposto à crueza do rosto, dos fatos e dos ritos benditos e, despindo suas comiserações, costura uns remendos, fiapos do tempo nas lembranças inóspitas e arrefecidas aliando o roto reverso ao avesso da pena É uma graça pequena que não ri nem chora pelo ofício flácido de ninar as plangências e as emergências dos reflexos que refreiam   debruçados no compasso do sossego volátil à beira do berço largo  onde a mente divaga na vaga observância de incautas urgências que no vento depositam as marés de desgosto os azares dos vazios, as tardes de sorrisos as noites sem juízo, os dias de procura, os voos em clausura, mesuras e pirraças Acho graça quando a imagem se alinha e aninha as vestes que, despindo-me, não vejo no espelho, não rio nem choro; solfejo NO ESPELHO - Lena Ferreira - 

ANÔNIMAS

Poeiras pré-concebidas estagnam o vento e acorrentando-o através dos seculares dias alimentam o pavio de guerras frias e mudas estatísticas apreçam o custeio e os valores e enquanto rios secam e mares transbordam as terras sem fronteiras definidas tremem mais pelos tementes do que pelos temidos o caos instaurado segue dilatando olhares santos, surdos e cegos, egos estrelam noites em nuvens líquidas, lânguidas e passageiras poeiras pré-concebidas estagnam o tempo sereno e profuso, o céu nos observa e cala a rota dos segundos apressa a transitoriedade a reta dos minutos quase derrapa nas curvas as horas oram por sorrisos inteiros que valham a palha sob a chuva que o vento não move hoje ou amanhã se transforma em fogueira o fogo, o mesmo fogo que consome a carne aquece as doidas almas nas vagas de frio pés ainda tropeçam nas sombras alheias vísceras expõem-se em translúcidos véus o caos instaurado segue dilatando olhares porém, mãos anônimas dispostas em auxílio dão

DULCÍSSIMO

Dorme um sonho pequenino nas abas do pensamento vai coberto por um vento vai com olhos de menino Dorme um sono celestino cheio de contentamento sonho com o aprimoramento dos passos do seu destino Dorme, sonho, enquanto canto um dulcíssimo acalanto até que estejas pronto Para um despertar maduro no destino que futuro paciente o nosso encontro DULCÍSSIMO - Lena Ferreira - jun.15

COLO

Vem de longe. Longe e lento. Lento e, leve, socorre a noite esparramada pelo resfriado solo onde os meus olhos teimosos, rubros, se debruçam em lamentos incoerentes, improváveis e inúteis Fala-me manso e cioso sobre o que quase escuto: amnésia, lobotomia, rechaço, em falta o que parece prece possíveis elementos para uma defesa crua e cauta às memórias doloridas que cochilam em sono breve Quase escuto, quase entendo, quase, quase, quase... enquanto não aceito, sussurra macio: esquece, amor, esquece e, recolhendo do chão os meus olhos pequeninos, com um olhar de outono, o seu colo reaquece-me COLO - Lena Ferreira - jun.15

NOITE-AVENCA

Tardes dessas, quase inverno, uma chuva insistente cai miúda sobre o cômodo das memórias dormentes que se agitam e assaltam os olhos cúmplices das nuvens mais vagas amedrontam a noite-avenca que despenca verde, verde e estia apressada pelo cândido orvalho madrugando a tez da nostalgia estendida, extensa e extremada novelando o fio em voz macia alarga as gotas que iam magras alaga o chão da avenca-noite... ...e me resfria NOITE-AVENCA - Lena Ferreira - In Florbelescos

DE BAUNILHA E MIRTO

Ao ver as mãos inertes do moinho pôs-se a imaginar o quão bom seria um vento liso de promessas breves fizesse ninho em cada um dos dedos Solicitou serviço ao senhor das horas - que facilita o caminhar das coisas - mandasse um sopro em seta sussurrado em notas altas de baunilha e mirto Envolto pelo leve aroma quixotesco o sopro, engravidando ventanias, beijou os nãos que assenhoram o tempo sob um casto campo de rubras tulipas DE BAUNILHA E MIRTO - Lena Ferreira - jun.15

EU TE CUIDO

Do meu amor sei pelo que cala enquanto ecoam pelas salas muitos "eu te amo" por descuido do meu amor, úmido e amiúdo, cada toque e gesto zeloso cada beijo, cada fluido cada olhar silencioso me declara: "eu te cuido" EU TE CUIDO - Lena Ferreira - jun.15

SOBRE A POÇA

Sobre a poça pela noite derramada um sol novo já com ares de inverno trouxe nos dedos um madrigal  tão terno pra tocar em cada gota esparramada Cada toque, o vapor que ascendia modificava as gotas da poça cheia solfejando a novidade que se enleia - feita em nuvens, a poça pro céu subia... ...lá chegando, o sol com um abraço forte condensou dores, tristezas; fez um corte no ventre de cada nuvem que se via - Se pecado for, perdoe: ao ver a morte dessa poça em cada nuvem que paria percebi que, em volta, a vida renascia SOBRE A POÇA - Lena Ferreira - jun.15

DE ONTENS

De ontens, trago direções diversas grafitadas nas paredes da memória acrescentando sentidos ao curso da vida ninguém viu o grafiteiro pular o muro embora todos saibam de sua existência perambulando os instantes, cauteloso conferindo verdade às fotos, aos mitos e aos ditos, efeito prático e irrevogável e embora alguns fatos permaneçam ocultos seus vultos acenam gestos e verbos distintos nada se passa sem que ele perceba, nada não há espaço que escape de suas mãos habilidosas, vão grafitando os corrimãos dos segundos escorridos mais discretos entre o ciliar dos olhinhos distraídos ou dos cochilos entre um sim e um talvez e enquanto vou deitando a minha escrita debruçada nessas tolas considerações seu hálito ciciando leve e liso tinta um gemido como aviso: vou grafitar isto também... DE ONTENS - Lena Ferreira - jun.15

DEUSA

Contemplemos esta noite que desfila num vestido deslumbrante de mistérios salpicado de brilhantes que rutilam e transformam o momento em etéreo Contemplemos esta dama dos segredos: no silêncio sepulcral da madrugada tão discreta, adormece alguns dos medos da alma incauta que, de dia, ia agitada Tão materna que, de uma forma estranha, acalenta dores várias e cansaços encobrindo com sua sombra tamanha muitos nós dos sós e dos sóis, o mormaço Deusa estranha, adornada pelo tempo onde entorna-se, o poema faz seu templo DEUSA - Lena Ferreira -

CONTÁGIO

O choro que a voz segura talvez por orgulho frágil corre por dentro e satura o peito em doido naufrágio Encharca o esterno e, dura, faz do pulsar calmo, ágil destilando  amargura afunda a alma por contágio O choro que a voz embarga e em seguida se larga à morte em seco mergulho Alivia a alma e o externo desfila o seu tom mais terno despido de todo orgulho  CONTÁGIO - Lena Ferreira - mai.15

DE ORGANZA E RENDAS

Sopro uma canção de organza e rendas sobre as promessas que acenam nuvens com lenços úmidos de sóis e de orvalho algodoando suspiros nas brisas bordadas Hão de se cumprir todas as notas sonantes no tempo imprevisto pelo contratempo enquanto medos contorcionam as sombras apazíguo-me com os fantasmas e ventos  DE ORGANZA E RENDAS - Lena Ferreira - jun.15