CONFIA

- Em memória ao meu ''vô'' José Ferreira -



Possuía o dom inexplicável de aquietar-me a ansiedade. Sentava-se ao meu lado e, como quem nada quisesse, recolhia minhas mãos ao seu peito e com um jeito particular e delicado, roçava os seus magros dedos no vão dos meus. Ficávamos assim por horas, num silêncio oportuno, desprecisados de palavras e gestos. Às vezes, um vento estranho e torto passeava pelos quintais da minha distraída mente, despertando medos vazios e tolos. Era o suficiente para que brotassem estrelas pequeninas e cintilantes nos meus olhos, prestes a escorrer pelos cílios. Ele intuia sempre esse tal vento em desvario vário e antes que a constelação despencasse, rompia seu silêncio solidário com sua voz de algodão que enchia o ambiente  numa só palavra: confia.
Com essa sinalização, respirava largo e fundo e engolindo a cintilância das estrelas, extinguia o gosto amargo do pensar no que não devia. O silêncio então voltava a se sentar entre nós dois e com as mãos dormindo no seu peito via, em tudo, um novo jeito. Despida de agonias e vestida de confiança, fui bordando no tecido da lembrança, o silêncio tão preciso que propôs.
Hoje, seu silêncio é luz. E o vento, o mesmo vento em desvario, sopra ainda e ainda canta e, às vezes, grita. Mas, quando o ouço, levo as duas mãos ao peito do mesmo jeito que ele fazia. Respiro fundo e bebo em pensamento um gole largo da palavra que me oferecia: confia.



CONFIA - Lena Ferreira - nov.14

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