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PRESENTE

Então, é quase natal. Não só por isso, mas também por isso, agradeço. E agradeço por tudo aquilo que já passou. Pelo que voltou sem ao menos ter ido. Por tudo que se foi sem volta. Pelas reviravoltas. E pelo que está. O que virá, é novo e, é claro, desconheço. Não sou vidente. Mesmo assim, agradeço antecipadamente porque acredito que tudo o que nos acontece tem lá os seus motivos. No mínimo, no mínimo, é sinal de que ainda estamos vivos, certo? Então, de peito aberto, agradeço pelas presenças e ausências. Das palavras, dos silêncios, dos ouvidos, dos gestos, das poesias e dos ventos. Agradeço pelos adiamentos, transferências e pelas antecipações. Pelas esperas produtivas. Pelas dúvidas certas. Pelas críticas construtivas. Pelos laços, os nós, o nós, as pétalas e os espinhos. Pelos caminhos em sorte ou revés. Agradeço aos pés que me fizeram chegar até aqui e me farão, espero, seguir num caminhar além. Agradeço ao peso da espada e a leveza da cruz. Agradeço especialmente pela consci

VIVA

E aí você acorda, mas acordar é pouco. Dá uma olhadela pela janela e confere o tempo. Um sol tímido convida para beber o dia. Embora com preguiça, você aceita. Levanta da cama. Passa as mãos nos cabelos, toma meio gole de coragem e respira. Seus pés descalços levam o seu corpo, e o sono, até a beira da praia. Lá, você ensaia um passo a mais além das águas frias. Mas, o vento sopra e o sol resfria. Então, você recua temendo pela ousadia. Mas, repensa a precisão. Respira. Toma então um gole inteiro de coragem. Deita os pés nas ondas arredias. Frias, arrepiam até os pelos do pensamento, é claro. Mas, despertam o que ia dormente. Sente? E acordam os olhos do daqui pra frente. Vê? E abrem os ouvidos do ‘não quero mais’. Ouve? Então... Mergulha o sono e o seu corpo inteiro. Aquele mesmo, mas o mesmo outro. Aquele além daqueles olhos doutos. Aquele a quem você ‘deve' o amor primeiro. Vai, mergulha. E leva junto a sua alma. Aquela a quem você mantém cativa. Vai, 'me orgulha'... Vi

EVOCARE

Os dias que evoco não listam o sol nem a chuva não chamam riso nem pranto não acertam retas nem curvas não servem servos ou santos não clamam brisa ou vento não pedem juízo ou loucura não falam à dor nem ao alento não dizem veneno ou cura Os dias que evoco não têm certezas nas folhas mas, sei que o seu epicentro é fruto das minhas escolhas somadas ao que carrego por dentro EVOCARE - Lena Ferreira -

SAMSARA

Pelas ruas espessas caminham as respostas apressadas, apreçadas e as compromissadas com o fio, o do meio entre elas, passeio sem receio ou espanto vez ou outra, me expresso sim, às vezes, tropeço entretanto, levanto e retorno ao passeio onde busco em samsara sem demora e sem pressa o que me interessa: a pergunta mais clara SAMSARA - Lena Ferreira -

NO ALTAR DO VENTO

O que tenho, e que me alivia, são os versos que, humanamente, teço esses que, de tempo em tempo, despretensiosamente, ofereço acesos, aos pés do altar do vento Enquanto queimam, observo: a qualquer noite ou qualquer dia, um de seus fragmentos, para a  minha alegria, há de se tornar verbo NO ALTAR DO VENTO - Lena Ferreira -

SIM, EU SEI

Sim, eu sei que a vida corre a galopes. E sei também que, às vezes, nos dá duros golpes. E por saber dessa dureza é que me encontro diante do mar que sempre, sempre está pronto a me receber, a qualquer hora ou sentimento. A me perceber, sem o peso da censura ou julgamento. A me envolver, seja na tristeza ou na alegria. E a me devolver, ao sabor da maresia, as notas da canção que tão bem me faz à alma. As mesmas que depois carrego bem no meio da palma da mão que tenta segurar a barra da saia onde uma onda ensaia aconchegar espuma e sais. Permito. Justa é a troca, é pelos ais das manhãs estendidas numa elevada quentura. Pelas tardes minguadas na espera da brandura. Pelas noites cumpridas em lua quando, em teima, insisto. Sim, eu sei que a vida margeia o imprevisto. Entre perdas e ganhos, sins e nãos, riscos e danos. Desobediente às regras e aos arquitetados planos, é a vida e é assim: corre a galopes e o tempo tempo, evapora, mas diante do mar, corpo, mente e alma se revigoram.

A4

Lança sobre mim esse olhar de outono e, com suas letras instintivas na dança do impulso sobre a linha da vida, da morte, do meio e na sina precipita-se em inventadas verdades abismando mágoas reativas ilusões macias e realidades duras, cítricas, sereno e curas paixões fugazes e fantasias deita amores, dores e euforias e, com dedos de um pulso abandono planta em minha virginal alvura as sementes sazonais e nativas que o vento traz, não sei de onde, revelando enquanto, pensa, esconde em verso avulso pelas entrelinhas, o ramo, o remo, o rumo e a mira que o impulso expulsa; livre ou rima A4 - Lena Ferreira -

REPRISE

Passou por mim como se fosse um vento Que estica o arco e sua flecha lança Ingênua, imaginei que, tão criança, Corria em busca de divertimento Mas, na *Avenida em congestionamento, Lastrava os traços de suas andanças: Cordões, relógios, carteira, alianças Iam, do dono, a um compartimento Localizado entre a cintura e o bolso Onde uma faca, sem nenhum esforço, Ferramentava o célere ofício Como reprise em salas de cinema Quem vai dispor atenção ao problema Que mata a infância depois do princípio? REPRISE - Lena Ferreira - *Avenida Presidente Vargas - Centro - RJ

ECO

Fosse só essa certeza que não tenho tudo o mais seria facilmente resolvido o prognóstico dormiria a sono solto na gaveta juntamente com os sintomas e as premissas As frases todas, desconexas, insensatas não reclamariam bengalas nem aros nem convocariam receitas ou resgates e as taxas seriam bem menos notadas O eco voltaria um pouco mais preciso, esquecido do estreito e rouco pigarrear e a torrente dos internos desgastes ciciando por socorro, já estaria extinta Mas não... A teimosia veio anexa ao pacote onde o simples suspirar é exercício tão difícil, o vício debruça-se qual dança do ventre sem música... ...em brasa Resta-nos a espera pelo tempo-remédio ou uma dúvida mais certa ECO - Lena Ferreira -

às tristezas deste dia

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... Elevo o pensamento aos que já não estão neste plano, mas, que fizeram parte da minha jornada deixando marcas, ensinamentos, lições... E agradeço sinceramente pela oportunidade do convívio e da troca que nos foi permitida até o momento da passagem. Certo que uma ponta de tristeza pela ausência física nos abate, principalmente neste dia (de finados). É fato que nada conseguirá preencher o vazio deixado, mas saber que compartilhamos alegrias, sorrisos, abraços e vida, se não sara a ferida, ao menos suaviza a dor da perda e com a lembrança de tudo o que vivemos juntos, deixo escapar um sorriso tímido mesmo com o peso de uma saudade infinita, mas tão bonita... Que, de certa forma, me consola. Meu profundo respeito às tristezas deste dia acompanha a quase certeza de um reencontro mais adiante.   - Lena Ferreira -

ANIMA

Dai-me ouvidos límpidos para a escuta do poema que a vida me apresenta e a palavra delicada que apascenta um novilho tosquiado à força bruta Dai-me mãos cooperativas na labuta e a gota de suor que acrescenta um grãozinho nessa caixinha cinzenta e os pés capazes na boa conduta Dai-me olhos que, além de ver, enxerguem o equilíbrio e os ombros que se erguem independente do peso oferecido Se peço muito, dai-me força - esquece o resto -  para casar cada palavra com seu gesto e a leveza de um peito agradecido  ANIMA - Lena Ferreira - *

CANÇÃO PARA UMA BORBOLETA

Ana, onde a meninice vibra a faceirice se equilibra e a mineirice doa garra e fibra pelas mãos de um Sol em libra dona de um sorriso que abraça e de um abraço que transborda tem um olhar em transparência que revela em pura essência que 'apesar de'...a vida é boa: segue e serve e, ‘se...’, perdoa Ana, que, fr(ágil) se fez fortaleza qual borboleta, na sua leveza, pousa, vibra e, livre, voa e, acima de tudo, ama. CANÇÃO PARA UMA BORBOLETA - Lena Ferreira -

OUVINDO

As vozes do vento, as velozes, confundem os ouvidos incautos em sustos, também sobressaltos, imputam torturas ferozes As vozes do vento, as bravias, iludem os olhares distantes em compassos tão dissonantes instauram a desarmonia As vozes do vento, as amenas, difundem a calma prevista em passos de lenta conquista evocam as coisas pequenas As vozes do vento, as suaves, dispersam as palavras graves OUVINDO - Lena Ferreira -

ALENTO

Planto gestos e momentos mudas, sementes antes do fruto afeto é nato Palavras empresto ao vento semeio o verso em estado bruto só feto é fato Os dedos cheios de letras que cavoucam a página do dia   e as mãos cheias de folhas que pretendem colher poesia águo-as nas fases da lua  seco-as nas lágrimas do sol rescende um aroma dessa rotina que espanta as ânsias mais ingênuas e perfuma as gotas cheias da retina e prepara o itinerário que amanhece e refaz o ciclo que tão bem conhece - planto palavras no vento - ALENTO - Lena Ferreira -

CIRCULAR II

A mão na caneta a caneta na folha a folha nos olhos os olhos pra fora o fora pra dentro o dentro na mente a mente no verbo o verbo na alma a alma no verso o verso na folha a folha no vento o vento nos olhos os olhos na mão CIRCULAR II - Lena Ferreira -
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o dia acorda e que não seja mais um dia só um dia a mais para cumprir o calendário que seja novo o pensamento e, o itinerário, que me conduza ao equilíbrio, à harmonia que eu consiga enxergar a poesia solta nas ruas, nos olhares, cantos vários e, como alguém que ouve o som de um Stradivarius, que eu sinta, em cada nota, a nova a sinfonia de toda voz que se achegar aos meus ouvidos - de gratidão, lamentos, queixas ou pedidos - que eu possa ouvir com muita calma e sem censura o dia acorda virgem e, com um brilho franco, é como extensa folha de papel em branco que pede escrita leve e verbos de ternura  - Lena Ferreira - *

PARADOXO

Sentir o ar faltando e sentir sede e ser a rede pro próprio cansaço forjando o aço frágil da estrutura com uma ternura farta no sorriso Sentir o beijo das brisas serenas e ser pequena diante do desejo de agarrar as beiradas do vento num chamamento imune à negação  Sentir a palavra dançar qual folha e ser escolha  enxergar um poema - onde o problema é visto pelos doutos outros equacionam os seus dilemas - PARADOXO - Lena Ferreira - 

CANTO PRIMEIRO

Cessa o vento quando o canto ecoa em sibilos dos mais vários cantos a cantiga que o instante entoa contagia os corações, os tantos Que vagavam pela vida estreita ressentidos, como bandoleiros com suas liras em dores suspeitas iam surdos ao Canto Primeiro Cessa o vento - no efeito das notas os sentires tomam outras rotas olhos passam a enxergar bem mais os ouvidos, muito mais sensíveis, abrem-se para os sons aprazíveis dos sibilos que lhes trazem paz - CANTO PRIMEIRO - Lena Ferreira -

BRISAM-ME

Enquanto anoto as notas que a noite traz nem noto o tempo que me olha tão atento pudera, ando distraindo-me com o vento com os rodopios que seu movimento faz Nas luas que vão descuidadas, vou assaz buscando um novo ritmo pro pensamento na contradança, pauso a lira em contratempo com passos de tocar na noite o que me apraz E quando chega a vez das notas madrugadas - aquelas que contêm estrelas já suadas pelas distâncias percorridas céu afora – Me pego olhando a quem me olha tão tranquilo seus olhos deitam nos meus olhos sem sigilos suas notas brisam-me com beijos que demoram BRISAM-ME - Lena Ferreira -

DOS VERDES EXCESSOS

No campo extremo dos verdes excessos nascem palavras que espocam como tiros entre rubros e alvos delírios, sangue; jaz o que era paz, ensaio - mas, um ato, peço: calçada com os silêncios mais maduros peito aberto, desarmada e sem escudos penso erguer uma das solidárias tendas no esquerdo canto do campado em quase flor com bandeiras verde-oliva tremulando mastros que verguem ao sabor do tempo - mesmo que não entenda o suor do vento, mesmo que não entenda seu deslocamento,   intento plantar azuis no chão das exceções: o campo necessita de cuidados, não de canhões - DOS VERDES EXCESSOS - Lena Ferreira -

PRIMAVERANDO NO INVERNO

Venho de plantar entre as estações sementes várias de flores que nem conheço - sem aguardar pelo florir que não tem preço, levo no peito a melhor das sensações - Vou solitário, carregado às emoções visto sozinho em passo, triste assim pareço imaginado que nem saiba o endereço de onde chegar; sentido, metas, direções - mas, do plantio, não me canso: ciclo eterno verões e outonos, primaverando no inverno - Entre o cuidado e o acaso sementeiro, as flores nascem, perfumando o caminho e o detalhe de ser visto assim, sozinho passa distante do pensar plantar primeiro PRIMAVERANDO NO INVERNO - Lena Ferreira -

MUDAS

Flor que se demora respirando culpas em pétalas íntimas de orvalho e luz espremida entre silêncios e esperas anseia pelos dedos lisos do cultivador que, alheio às necessidades férteis, nega a rega e ainda transplanta mudas de camélias,  de begônias e de lírios para o terreno lasso vizinho da calma - há de se plantar uma muda que seja de sândalo, baunilha, de verbena ou trigo em torno dessa rosa úmida de estrelas para que, florescendo no tempo preciso, suavizem o vento das ervas daninhas - MUDAS - Lena Ferreira - In Florbelescos

TEU CORPO

Teu corpo respiro como vida fenda, fissura, carne e fibra detalhes ínfimos e vários sudário íntimo, necessário que me descobre enquanto cobre as partes úmidas e mínimas - sementeprecisosemente - planto-te no ventre do afeto as piro teu corpo como vida teu corpo respiro como a vida TEU CORPO - Lena Ferreira - 

DAS MANHÃS SOZINHAS

Ah, vento das manhãs sozinhas vens passageiro como quase brisa e suavizas o tom grave da saudade que, na verdade, grita-me tão perto Decerto, ouviste as queixas madrugadas quando, amparada por estrelas frias, chovia as nuvens dos dias mais largos em pingos bem magros de desfazimento Ah, vento das manhãs sozinhas tranquilo e manso, vens e me abraça leve e, mesmo que breve, faz-me companhia despedindo a agonia, a calma toma assento Decerto, estás somente de passagem outras paragens de ti necessitam e solicitam o teu sopro suave e macio que, mesmo frio, conforta, conforta Então, vai... ...e leva contigo o meu agradecimento DAS MANHÃS SOZINHAS - Lena Ferreira -    

SACRO OFÍCIO

Tão calmo esse azul que observa o entorno e tranquilo traz pra dentro aquilo que beneficia o centro o esquerdo canto, a alma e as fibras Tão calmo que o corpo inteiro vibra em ondas de energia limpa e pura - doadas com cuidado e com ternura, aumenta ainda mais sua reserva - Tão calmo esse azul - fácil parece manter a cor do céu quando ele desce e descolore o quadro a meio palmo Mas, fácil, só parece - sacro ofício,  penso - requer silêncio e exercício e por pensá-lo, calo e me acalmo SACRO OFÍCIO - Lena Ferreira - 

ALFAZEMADA

Foi de silêncios que compus em parceria  a canção de reestreia desse instante entre a inquietude quase morna da espera e a mansidão alfazemada do encontro segundos foram longos como eras - braços querentes de abraços; batutas regentes de momentos - na demora íntima, as notas se afinizam tocando cada canto, conhecido e estranho e como quem adivinha saudades e delírios inauguram cicios estreitos, longos e macios no curto espaço entre os lábios e o juízo ALFAZEMADA - Lena Ferreira - jun.15

PARA ARIADNE

Num labirinto estreito, letras seguem decididas na busca por uma palavra de estreia. Desafiando mitos, dialoga com os fantasmas nas lacunas pontilhadas rimando os ramos de rumores ralos com os rumos rasos das alucinações lunares. Enquanto um silêncio gentil e sincero solicita um fiapo que seja do novelo de fazer sentido, essas letras estendem as suas mãos, vazias de fio e de medo, e os dedos, cheios de teimosia. Que tateiam as estantes voláteis. Com as retinas embriagadas pelos ácaros imersos nos goles do extinto vinho, insistem nessa sina estranha. Trôpegas, esbarram em becos, bocas, bicos e quinas. Derrubam os olhos em alguns livros, grossas laudas seculares e, vestindo suas capas, retas, rotas e mofadas, incorporam feiticeiros, mestres, magos, adivinhos. Ressuscitam umas palavras mortas, retiram-lhes o ranço e o cansaço e, vicejando-as nas entrelinhas, essas letras todas zonzas, todas tontas, todas tortas, quase, quase encontram a porta... Mas, para Ariadne, mil esforços

MAIS ÍNTIMOS

Travessa, uma gotinha de chuva atravessa o telhado da varanda e, esticando-se todinha no trajeto entre o teto e o livreto de poemas, cai serena sobre uns tímidos versos e macula a folha, página de outono Desviando a atenção dos supérfluos dedos sem sono sobrepõem-se à mácula descobrindo o quê que ia encoberto entre os anseios mais fúteis, vários entre as linhas entremeadas em flor Olhos, mais nítidos, bebericam o necessário  Dedos, mais íntimos, seguem o seu itinerário MAIS ÍNTIMOS - Lena Ferreira - 

NO ESPELHO

Acho graça quando a imagem se alinha e aninha as vestes de um vento suposto à crueza do rosto, dos fatos e dos ritos benditos e, despindo suas comiserações, costura uns remendos, fiapos do tempo nas lembranças inóspitas e arrefecidas aliando o roto reverso ao avesso da pena É uma graça pequena que não ri nem chora pelo ofício flácido de ninar as plangências e as emergências dos reflexos que refreiam   debruçados no compasso do sossego volátil à beira do berço largo  onde a mente divaga na vaga observância de incautas urgências que no vento depositam as marés de desgosto os azares dos vazios, as tardes de sorrisos as noites sem juízo, os dias de procura, os voos em clausura, mesuras e pirraças Acho graça quando a imagem se alinha e aninha as vestes que, despindo-me, não vejo no espelho, não rio nem choro; solfejo NO ESPELHO - Lena Ferreira - 

ANÔNIMAS

Poeiras pré-concebidas estagnam o vento e acorrentando-o através dos seculares dias alimentam o pavio de guerras frias e mudas estatísticas apreçam o custeio e os valores e enquanto rios secam e mares transbordam as terras sem fronteiras definidas tremem mais pelos tementes do que pelos temidos o caos instaurado segue dilatando olhares santos, surdos e cegos, egos estrelam noites em nuvens líquidas, lânguidas e passageiras poeiras pré-concebidas estagnam o tempo sereno e profuso, o céu nos observa e cala a rota dos segundos apressa a transitoriedade a reta dos minutos quase derrapa nas curvas as horas oram por sorrisos inteiros que valham a palha sob a chuva que o vento não move hoje ou amanhã se transforma em fogueira o fogo, o mesmo fogo que consome a carne aquece as doidas almas nas vagas de frio pés ainda tropeçam nas sombras alheias vísceras expõem-se em translúcidos véus o caos instaurado segue dilatando olhares porém, mãos anônimas dispostas em auxílio dão

DULCÍSSIMO

Dorme um sonho pequenino nas abas do pensamento vai coberto por um vento vai com olhos de menino Dorme um sono celestino cheio de contentamento sonho com o aprimoramento dos passos do seu destino Dorme, sonho, enquanto canto um dulcíssimo acalanto até que estejas pronto Para um despertar maduro no destino que futuro paciente o nosso encontro DULCÍSSIMO - Lena Ferreira - jun.15

COLO

Vem de longe. Longe e lento. Lento e, leve, socorre a noite esparramada pelo resfriado solo onde os meus olhos teimosos, rubros, se debruçam em lamentos incoerentes, improváveis e inúteis Fala-me manso e cioso sobre o que quase escuto: amnésia, lobotomia, rechaço, em falta o que parece prece possíveis elementos para uma defesa crua e cauta às memórias doloridas que cochilam em sono breve Quase escuto, quase entendo, quase, quase, quase... enquanto não aceito, sussurra macio: esquece, amor, esquece e, recolhendo do chão os meus olhos pequeninos, com um olhar de outono, o seu colo reaquece-me COLO - Lena Ferreira - jun.15

NOITE-AVENCA

Tardes dessas, quase inverno, uma chuva insistente cai miúda sobre o cômodo das memórias dormentes que se agitam e assaltam os olhos cúmplices das nuvens mais vagas amedrontam a noite-avenca que despenca verde, verde e estia apressada pelo cândido orvalho madrugando a tez da nostalgia estendida, extensa e extremada novelando o fio em voz macia alarga as gotas que iam magras alaga o chão da avenca-noite... ...e me resfria NOITE-AVENCA - Lena Ferreira - In Florbelescos

DE BAUNILHA E MIRTO

Ao ver as mãos inertes do moinho pôs-se a imaginar o quão bom seria um vento liso de promessas breves fizesse ninho em cada um dos dedos Solicitou serviço ao senhor das horas - que facilita o caminhar das coisas - mandasse um sopro em seta sussurrado em notas altas de baunilha e mirto Envolto pelo leve aroma quixotesco o sopro, engravidando ventanias, beijou os nãos que assenhoram o tempo sob um casto campo de rubras tulipas DE BAUNILHA E MIRTO - Lena Ferreira - jun.15

EU TE CUIDO

Do meu amor sei pelo que cala enquanto ecoam pelas salas muitos "eu te amo" por descuido do meu amor, úmido e amiúdo, cada toque e gesto zeloso cada beijo, cada fluido cada olhar silencioso me declara: "eu te cuido" EU TE CUIDO - Lena Ferreira - jun.15

SOBRE A POÇA

Sobre a poça pela noite derramada um sol novo já com ares de inverno trouxe nos dedos um madrigal  tão terno pra tocar em cada gota esparramada Cada toque, o vapor que ascendia modificava as gotas da poça cheia solfejando a novidade que se enleia - feita em nuvens, a poça pro céu subia... ...lá chegando, o sol com um abraço forte condensou dores, tristezas; fez um corte no ventre de cada nuvem que se via - Se pecado for, perdoe: ao ver a morte dessa poça em cada nuvem que paria percebi que, em volta, a vida renascia SOBRE A POÇA - Lena Ferreira - jun.15

DE ONTENS

De ontens, trago direções diversas grafitadas nas paredes da memória acrescentando sentidos ao curso da vida ninguém viu o grafiteiro pular o muro embora todos saibam de sua existência perambulando os instantes, cauteloso conferindo verdade às fotos, aos mitos e aos ditos, efeito prático e irrevogável e embora alguns fatos permaneçam ocultos seus vultos acenam gestos e verbos distintos nada se passa sem que ele perceba, nada não há espaço que escape de suas mãos habilidosas, vão grafitando os corrimãos dos segundos escorridos mais discretos entre o ciliar dos olhinhos distraídos ou dos cochilos entre um sim e um talvez e enquanto vou deitando a minha escrita debruçada nessas tolas considerações seu hálito ciciando leve e liso tinta um gemido como aviso: vou grafitar isto também... DE ONTENS - Lena Ferreira - jun.15

DEUSA

Contemplemos esta noite que desfila num vestido deslumbrante de mistérios salpicado de brilhantes que rutilam e transformam o momento em etéreo Contemplemos esta dama dos segredos: no silêncio sepulcral da madrugada tão discreta, adormece alguns dos medos da alma incauta que, de dia, ia agitada Tão materna que, de uma forma estranha, acalenta dores várias e cansaços encobrindo com sua sombra tamanha muitos nós dos sós e dos sóis, o mormaço Deusa estranha, adornada pelo tempo onde entorna-se, o poema faz seu templo DEUSA - Lena Ferreira -

CONTÁGIO

O choro que a voz segura talvez por orgulho frágil corre por dentro e satura o peito em doido naufrágio Encharca o esterno e, dura, faz do pulsar calmo, ágil destilando  amargura afunda a alma por contágio O choro que a voz embarga e em seguida se larga à morte em seco mergulho Alivia a alma e o externo desfila o seu tom mais terno despido de todo orgulho  CONTÁGIO - Lena Ferreira - mai.15

DE ORGANZA E RENDAS

Sopro uma canção de organza e rendas sobre as promessas que acenam nuvens com lenços úmidos de sóis e de orvalho algodoando suspiros nas brisas bordadas Hão de se cumprir todas as notas sonantes no tempo imprevisto pelo contratempo enquanto medos contorcionam as sombras apazíguo-me com os fantasmas e ventos  DE ORGANZA E RENDAS - Lena Ferreira - jun.15

DESEMBARQUE

Das viagens feitas com um só destino, despachei certas bagagens sem descuido. O conteúdo fora conferido atentamente ordem a ordem. Não há nada nos Achados & Perdidos. Tudo o que está contido possui autonomia de voo. Trago o mesmo sorriso guardado no bolso dos lábios. Ainda se abre facilmente ao mínimo aceno das delicadezas mornas e improvisadas. O vento é outro. É outra a brisa. O mar, suspenso. Não há estrelas, é dia. Lembranças chegam como um bálsamo aerado entre sussurros. Rasgam o bolso em risos de  canto a canto. E debulham as pétalas da alma arredia. E alisam a calma em conquista suave. Acaricio a lista das permanências e, respirando mais leve, flutuo. Pouso sob um céu reconhecido que me abraça e me faz blues.  Sopros sibilantes trazem para perto, vozes e vozes equidistantes. Desembarco. Entre os diálogos tranquilos e sem pressa. Saudade é bicho que se mata devagar. DESEMBARQUE - Lena Ferreira - mai.15

PASTOREANDO AUSÊNCIAS

Ah, vertentes de constâncias e alívios, águas deslizantes em perenes sossegos que margeiam certas sedes insolventes... - com aquelas que, pastoreando ausências, alisam os seus umbigos proeminentes dolentes num descampado modesto - ...tendes complacência - grávidas de gestos, miram distâncias   e aguardam pelo parto dos convívios - PASTOREANDO AUSÊNCIAS - Lena Ferreira - mai.15

UTOPIA

Era um andar com sede farta de horizonte  e cada passo sussurrava: adiante, adiante como a lembrar pros pés de estradas várias que desistir é ressaca de embriaguez tardia ia assim na caminhada, ora cheia, ora vazia ia alternando a marcha: ora rasa, ora funda ora lenta, quase escassa em caça e pressa em tempos de cansaço expresso no olhar vago duvidando do limite imposto ao  imaginário vincava a linha tênue entre sonho e realidade para acordar mais tarde, já refeita de ideias de sopro, de vozes e de vigorosas vontades solfejando às saias do vento: adiante, adiante oh, sede oásis, deserto, sede a sede, utopia sede água para os pés além dos desérticos dias UTOPIA - Lena Ferreira - mai.15

ASA

Água contida recebe o vento em ronda e fenda vidra o espelho turva miragem reflexo outro que não o certo por ele dito e feito vaza Água vertida percebe o tempo em roda e renda dobra o joelho curva passagem molde volátil  conceito aberto no verso escrito efeito asa ASA - Lena Ferreira - mai.15

DIA APÓS DIA

É nessas horas em que o sol sai do seu berço e se prepara pra mais uma reestreia sem se importar com convidados ou plateia que, refletindo no seu gesto, amanheço Saio da cama, me espreguiço e bebo um terço do sopro bom com notas frescas de azaleia o outro terço, é do café que acorda a ideia um banho fecha o ritual e agradeço Sigo à rotina - livros, provas, exercícios - onde o final ainda parece com o início onde o cansaço vem tentando uma vaga E nessas horas, miro o sol no seu ofício: por mais estranho que pareça, e mais difícil, dia após dia, reestreia e não se apaga DIA APÓS DIA - Lena Ferreira - mai.15

RELEVE

E diante daquilo que lhe cerceia não vale a pena a plena ocupação se sim, há de prender-se numa teia viscosa onde não mora a redenção Releve o dito, o feito e prateia as mãos, os pés e o peito em oblação absolvendo assim o que permeia nesse espelho de compleição Instantes haverão de breve estio bem capaz que por isso sinta frio enquanto outros se cobrem de razão Mas, diante daquilo que lhe quer rente demonstre, com semblante sorridente, o que revela a alma ao coração RELEVE - Lena Ferreira - mai.15

REVOADA DE VESTÍGIOS

Daqui da varanda, vejo uns gestos certos pastoreando palavras com esmero um rebanho de pelos claros e macios que caminha tranquilo por um campo extenso levemente umedecido por estrelas e orvalho  basta-lhes  um discretíssimo aceno e a nuvem da expectativa se arrobusta se outro, justa,  se desfaz  em chuva e a voz entorna limpa em cantares sacros e os passos, firmes em louvores profanos aos pés dessa varanda em que me ponho há um jardim de florescência contínua onde ramos de lírios dançam com o vento impregnando o olfato, os poros e a visão aspiro, expiro, inspiro-me:  aroma, perfume, essência e toda a nota sentida sem fazer nenhum sentido é uma canção a mais, é revoada de vestígios que cantarolo,  quase serena, considerando os gestos enquanto o vento prossegue soprando a desrazão REVOADA DE VESTÍGIOS - Lena Ferreira - mai.15

NAS MANHÃS VERDES AINDA

Nas manhãs verdes ainda os seios das sementes trazidas pelas aves amamentam  a sutilíssima promessa em juras de colher diálogos claros de vento isentas, assistem ao ensaio   de uma brisa que adolesce, risonha  e macia enquanto sussurra umidades para o campo ervado estranhamente em brevidades e hiatos tudo é espera suave adubo, rega, zelo e capina Nas manhãs verdes ainda o sol, preocupado, se ocupa a mais nessa campina: amadurece a brisa e amortecendo os silêncios graves a promessa da colheita logo está pronta a ser cumprida NAS MANHÃS VERDES AINDA - Lena Ferreira - mai.15

SEMÍNIMA

úmidas, as palavras que proferes dançam com a língua um bolero de Ravel provocando rubores castos e imprevistos nos lábios, na face, nos olhos, nos cantos, alteram expressões desconcertando a timidez estreita e concisa da vaga precisa entre a pausa fugidia e o dó maior como a adivinharem o mais ínfimo e íntimo desejo as palavras que proferes, úmidas, úmidas, mais parecem beijos - Lena Ferreira -