TATUAGEM
Das tardes silenciosas de outono, passadas entre o ócio dos
ossos e a carne em agito, o grito oculto é somente um apêndice insuspeito. Dono
de si, sujeito raro e dileto, há tempos não me visita posto que, clamando por
liberdade, corre solto pelas salas. E fala. Dos aromas imprevistos para o
inverno, das manias flutuantes em anis, dos amores inventados em cristais e dos
copos encorpados de geleia onde, vez por outra, esbarra e espalha os cacos pelo
chão. Onde me corto ainda e ainda me hemorragia. Não deveria, já que me são tão
familiares. Olhares ralos em desvio, vagas de interpretação numa leitura não tão
clara. Logo sara, diz. Mas, a cicatriz que poderia servir-me de lição, não
passa de temporária tatuagem. Bobagem!? Tudo bem. Um dia, aprendo. Um dia, quem
sabe, sem descuido, dê abrigo permanente a um silêncio assim, estéril, discreto
e irrestrito. E pouparei as tardes de
todas as estações das tarefas arrastadas em pacífico conflito entre o que fora pressuposto
e o que jamais fora dito.
TATUAGEM - Lena Ferreira - mar.15
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