CONTO I

Recebeu o carregamento de tijolos com a mesma satisfação de criança que recebe um brinquedo novo e, sozinha, pôs-se escada acima os levando ao terraço.  Era sábado, dia de praia e shopping e ela ali, num sobe-e-desce exaustivo. Mas, nada tirava de Marinez o sorriso dos determinados, dos que acreditam que só o esforço aliado a certos sacrifícios fazem com que se alcance um objetivo firmemente traçado, embora simples. Um cômodo pequeno que, antes mesmo de nascer, ganhara o nome de Guardador de Ideias. Ali, acomodaria livros, projetos, tintas, telas, material reciclável, enfim, tudo o que inspirasse transpiração.
E os tijolos subiam. Tarefa de um dia inteiro, finalizada com o corpo robusto lavado de suor, cansaço e orgulho. Daquele orgulho bobo, sabe? Que não se compara à pretensão de se pensar melhor do que aquelas que dependem de homens para esse tipo de serviço. Mas aquele orgulho de ter vencido uma etapa da única competição proposta e possível; superar-se. Apesar da força das circunstâncias, dava ali um passo a mais na realização de seu pequenino sonho.
Com um banho frio e demorado, refez-se. Vestida de si, retornou ao terraço. Estendeu o corpo no espaço onde nasceria o quarto. A noite caída, que até então observava a pilha de tijolos, parecia redirecionar o olhar ao fundo de seus olhos como a questionar os seus ‘porquês’.
Marinez sorriu seu sorriso costumeiro, largo, honesto e inteiro, quase entendido pela noite como resposta. Satisfeita com seu ‘pra quê’, adormeceu ali mesmo sem planejar o seu domingo.
Cada coisa em seu tempo.



CONTO I - Lena Ferreira - 

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